Campeão no retorno ao trabalho Ricardo Gomes fala sobre AVC e diz que passagem pelo Vasco em 2013 o auxiliou

A audácia da juventude deu lugar à paciência de um cinquentão. Característica fundamental para Ricardo Gomes esperar o tempo certo de retomar a carreira de técnico com o desafio de levar o Botafogo de volta à elite. Com a meta cumprida, a ousadia de outros tempos dá lugar à ponderação na hora de mais uma decisão: operar ou não o joelho direito que atrapalha os movimentos do dia a dia.

Entre decisões diárias e definitivas, o treinador alvinegro, que já apalavrou sua renovação com a diretoria, é daqueles que enxergam o copo sempre meio cheio. Mesmo nos momentos mais difíceis, seja nos percalços de uma segunda divisão ou na recuperação de um AVC que quase lhe tirou a vida há quatro anos.

Depois de quatro anos longe da beira do campo, como foi voltar a dirigir um clube e levar o Botafogo à Série A?

Estou melhor hoje do que no início. Eu estava preparado para isso, para enfrentar essas dificuldades. Minha maior dúvida era como acompanhar o dia a dia com o problema no meu joelho, não tanto com o problema de fala. Fui claro e acreditaram em mim. Encontrei um Botafogo com bom trabalho iniciado. As escolhas de jogadores foram bem feitas. Todos que participaram estão de parabéns.

A decisão sobre o joelho pode atrapalhar seu futuro no clube?

Estou há seis meses pensando no que fazer. Se eu decidir operar, seriam vinte dias parado nas férias. A indefinição é fazer ou não. Há muita gente discutindo se o melhor seria colocar uma prótese ou continuar tentando recuperar pela fisioterapia. A prótese melhoraria a curto prazo, mas a médio e longo prazo teria de ser trocada. E não poderia voltar a correr.

A rotina mudou muito por causa da recuperação do AVC (sofrido em agosto de 2011 quando treinava o Vasco)?

Voltei à rotina normal de técnico, e isso me ajuda muito na recuperação. Ainda faço fisioterapia para o braço que perdi a sensibilidade e fono, pois não tenho a velocidade na fala como antes. Trabalhando todo dia com um grupo, ajuda. Sem falar que fazer fisio, fono e natação é legal quando você tem o trabalho depois. Quando é só isso ninguém merece. Foram dois anos, de 2011 até 2013, nessa rotina, até ir para o Vasco, como diretor. Quando saí de lá, percebi que tinha chances de voltar a ser técnico, mas precisava me preparar. Passei 2014 me preparando. Hoje, faço uma ou duas vezes por semana. Com as viagens, perdi aquela rotina de tratamento.

Além da questão física, o que mais te preocupava?

Tinha algumas dúvidas em voltar ao trabalho depois de tanto tempo parado. Uma coisa é ver jogos pela televisão, outra é estar lá no trabalho, ou ao vivo, trabalhando ou não. O fato de ter acompanhado o time do vasco em 2013, com Dorival, Adilson, Autuori e Gaúcho me ajudaram. Durante esse ano que parei, comecei a viajar para me atualizar. Passei um mês na Europa vendo só jogos. Fui na decisão da Uefa, da Liga dos Campeões. Me deixou de novo com a sensibilidade aguçada. Na final da Uefa, entre Benfica e Sevilla, foi uma delegação de antigos treinadores e jogadores, nesse dia falamos só de futebol, encontrei antigos treinadores e foi bom para me renovar.

E o que mudou?

Saí do Mônaco em 2009, e até o aquecimento está diferente. Isso é evolução. Os treinadores também evoluíram, mas para isso precisa se deslocar. Se estiver sem trabalhar, não adianta querer se informar só na televisão e internet, tem que estar no lugar. Para quem não está trabalhando tem de sempre estar se deslocando, buscando boas informações para decidir. O treinador tem que tomar decisões o tempo todo e com maior número de informações e conhecimento facilita o trabalho.

Qual a diferença daquele Ricardo que iniciou aos 31 anos como técnico para o de hoje, com 50?

As diferenças não têm nada a ver com o acidente, têm a ver com a idade. Estou muito mais paciente. O menino de 18 anos era extremamente empolgado, hoje me acho mais paciente. Meu primeiro trabalho como técnico é bem diferente de hoje. Não só pelas mudanças da profissão, mas pela idade. Nós vamos evoluindo ou tentando. Quem consegue a cada ano estar um pouco melhor do que no ano anterior, está evoluindo. Mas sempre vamos oscilar. Tem dia que estou pior do que um adolescente.

E o que o AVC mudou na sua vida?

Me abriu a mente para novos conhecimentos e coisas que não me interessavam antes. Agora, me interesso porque preciso. Se não vai no amor, vai na dor… Hoje converso com bioquímicos, neuropsicólogos. Sem o acidente não teria essa possibilidade. Mas ninguém precisa de acidente para abrir a cabeça a coisas novas. Agora, meu objetivo é zerar minha recuperação. Não tem nenhum artigo que confirme ou não a recuperação total e em quanto tempo. Não sei se vou recuperar, mas vou tentar. E se conseguir quero escrever um livro para ajudar as pessoas.

Como foi recomeçar justamente no Engenhão, no banco onde você passou mal no clássico com o Flamengo?

Eu tive um AVC no Engenhão, agora Nilton Santos, e tem duas formas de ver: ter um trauma ou entender que se não estivesse aqui não estaria vivo. Ainda bem que estava aqui, a cinco minutos de um hospital, com o José Antônio Guasti lá. Se eu estivesse em casa, estava fora do circuito. Não há trauma nenhum. Não foi um lugar que não deu certo. Pelo contrário, deu muito certo.

Como você vê o futebol brasileiro atualmente?

Todo mundo fala de gestão, mas futebol sempre tem um mecenas por trás. Futebol não é para dar lucro. Pode conseguir isso por dois, três, no máximo, quatro anos. Depois disso, não consegue se manter sem dinheiro forte por trás. Não é soja, não é petróleo… Falam que a gestão lá fora é melhor do que aqui. A diferença é a economia. Pode pegar o caso Milan: era lucrativo ou tinha um mecenas? Ainda não vi ganhar dinheiro e título por muito tempo. Precisamos de um grande debate não do futebol jogado no campo, mas encontrar um modelo que nos atenda.

E essa divisão entre Fla x Flu e Vasco x Botafogo, é ruim para o futebol carioca?

Não sou capacitado para dar uma opinião sobre esses bastidores, mas temos que encontrar um modelo que atenda o clube, não a federação, nem a CBF. O mais importante são os clubes, e eles têm que sentar e encontrar um modelo que seja bom. Se rachar vai ficar ruim para os quatro. Não sei quem tem razão quem não tem, digo que os quatro perdem.

Quais os planos para o Botafogo forte na Série A do ano que vem?

Temos uma mudança de série com exigência muito maior. Temos de trabalhar muito mais do que esse ano. Temos várias pessoas buscando soluções para um Botafogo mais forte em 2016. A tendência é renovar com grande parte dos jogadores. Acho que o Botafogo tem que se reforçar e não desfazer o que foi feito. Se mudar muito vai de novo para a dúvida…

Fonte: O Globo

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