Em nome da honra: Jorginho celebra resgate e aponta caminho da elite

A ferida ainda está aberta, dói, mas vai passar. Jorginho tem certeza disso. Por mais que a cicatriz de uma queda para Série B dure para sempre em um clube, o treinador não tem dúvidas de que dessa vez – a terceira na história do Vasco – foi diferente. O torcedor foi medicado, saiu do coma, e, se não foi possível evitar a queda mesmo com somente uma derrota nos últimos 15 jogos, começa 2016 com motivos para acreditar em uma temporada bem diferente da que acabou em 6 de dezembro, em Curitiba. Passado o luto, é hora de ver o copo meio cheio, e é o próprio comandante da nau que navegará pelos turbulentos mares da Segundona quem aponta isso:

– Chegamos numa situação delicada, mas vimos nos jogadores a alegria, a organização tática, o prazer do torcedor ir ao estádio e de vestir a camisa do Vasco nas ruas. Mesmo na Segunda Divisão, o torcedor tem honra.

A satisfação de Jorginho com o trabalho realizado não é completa. Nem poderia ser. Mas é tanta que ele fez questão de manter grande parte do elenco. Ao contrário do lugar comum entre rebaixados, o Vasco riscou do dicionário a palavra desmanche. Dos titulares, apenas Serginho se foi – para o Sport. Receita de quem quer levantar o Vasco e retribuir a chance de se reerguer profissionalmente através dele:

– Na minha saída para Dubai (onde comandou o Al-Wasl), tinha feito bons trabalhos, mas preciso ganhar títulos para manter o nível de alguns treinadores. Para isso, é preciso ter tempo. Sempre peguei time no meio do caminho, para apagar fogo, e não é fácil. Por isso, fiz questão de permanecer. Foi um excelente recomeço.

Em bate-papo de 33 minutos com a reportagem do GloboEsporte.com na arquibancada de São Januário, Jorginho sorriu mais do que lamentou, projetou o futuro sem deixar de lembrar o que aconteceu no passado recente, e, acima de tudo, se mostrou otimista. Com Carioca, Copa do Brasil e Serie B pela frente, o Vasco encara um caminho que, ao menos neste começo de ano, parece pavimentado para reencontrar a Serie A. Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Antes de olhar para frente, como foram suas férias? O sentimento foi mais de dor pelo rebaixamento ou de confiança para 2016 pelo trabalho realizado?

– Foi um sentimento bem misturado. Ao mesmo tempo que via alguns lances, reportagens, e falava: “Poxa vida, poderíamos estar na Primeira se tivéssemos conquistado esse ponto aqui, não tivesse esse erro ali”. Por outro, ficava feliz pelo trabalho realizado, pelo Vasco ter terminado honrosamente, lutando, com possibilidade de permanecer. Essa era uma preocupação, porque o Vasco tinha virado chacota e tínhamos que fazer as pessoas respeitarem o clube. Vimos que foi um trabalho com reconhecimento, o que não é comum no Brasil quando não se conquista o objetivo. Nenhum jogador foi xingado ou algo assim. Pelo contrário, todos falando que a perspectiva é grande para esse ano.

Começar o ano com quase todo elenco que terminou o Brasileirão facilita essa caminhada e aumenta o otimismo?

– Claro. Não tenha dúvida que isso foi fundamental. Eu falei para diretoria da importância de manter a base. Perdemos, do time que terminou como titular (no último jogo), apenas o Serginho. O Rafael Silva saiu, mas nesse jogo com o Coritiba estava no banco. Isso é importante. Qualquer jogador incorporado no elenco sabe que há uma estrutura. Temos que ter um padrão tático e também buscar algumas possibilidades. É o que vamos desenvolver.

E foi uma situação diferente do que é comum em times rebaixados. Até o próprio Vasco passou por desmanches nas outras duas vezes…

– Justamente por conta da recuperação dos atletas. E dou mérito para eles. É uma equipe que eu acompanhei, via como estava jogando e, mesmo ganhando o Carioca, era bem tímida. De repente, o time se transformou. Tivemos todas as condições de ganhar do Corinthians, jogamos de igual para igual. Todos os torcedores reconheceram o trabalho feito. Pelos contratos e pelo presidente firme que temos, houve busca, mas não tem negócio. Sabemos que encontrar um atacante como o Nenê é difícil.

Se evitasse o rebaixamento, seria o trabalho que te daria mais orgulho na carreira? Ou ainda é uma história que está sendo escrita e pode vir a ser?

– Ainda vamos completar isso aqui. Quero ter um ciclo longo no Vasco. Que consigamos realizar o que infelizmente não conseguimos concretizar em 6 de dezembro. Chegamos numa situação delicada, mas vimos nos jogadores a alegria, a organização tática, o prazer do torcedor ir ao estádio e vestir a camisa do Vasco nas ruas. Mesmo na Segunda Divisão, o torcedor tem honra. Mas se conseguíssemos a permanência seria, sem dúvidas, um grande feito, como foi do Fluminense em 2009. Usamos até a experiência deles para motivar em alguns momentos, até por termos o Diguinho, que participou lá. Temos que seguir acreditando que não parou para começarmos o ano bem.

O que muda no planejamento, na montagem do elenco, quando se começa uma temporada com uma Série B pela frente?

– É uma competição diferente, que requer atenção total. É preciso ter a motivação lá em cima, e esses jogadores me deram isso. Vamos sair várias vezes para jogar longe, muito longe. Não é uma hora para São Paulo ou Minas. Vai ser Norte e Nordeste, situações difíceis, conexões… Tudo isso influencia. É preciso jogador que conheça essa competição e se concentre o tempo todo do início até o fim do ano.
Você foi responsável por recuperar um Vasco que caminhava para um rebaixamento vexatório, mas para você também foi uma recuperação profissional esse trabalho? Uma recolocação no mercado depois dos últimos anos?

– Com certeza. Na minha saída para Dubai, tinha feito bons trabalhos, mas preciso ganhar títulos para manter o nível de alguns treinadores. Para isso, é preciso ter tempo para trabalhar. Sempre peguei time no meio do caminho, para apagar fogo, e não é fácil. Por isso, fiz questão de permanecer, para fazer algo com a minha cara, do Zinho, da comissão técnica. É muito importante. Mas foi um excelente recomeço. Tive oportunidades, algumas pequenas, outras grandes em seu estado, mas optei por esperar e aconteceu a proposta do Vasco. Foi a melhor decisão que eu tive.

Houve muita sondagem de outros clubes neste período de férias?

– Não tive nem tempo. Surgiu meu nome em um clube no final do ano, mas logo descartei, até porque tinham treinador. Isso é absurdo e ele foi campeão da Copa do Brasil. Surgiu meu nome talvez por termos vencido na casa deles. Mas foi tudo boato. Ninguém me procurou. Mesmo porque assim que terminou o campeonato, o presidente perguntou: “Você quer ficar?”. Disse que sim, o Zinho que muito, e estava renovado. Nunca tive dúvidas.

Olhando para trás, desde o América, passando pela Seleção, Flamengo e outros trabalhos, o que mudou no Jorginho para esse que chegou ao Vasco? Até mesmo fora de campo, está mais flexível, mais leve?

– Leve e flexível eu sempre fui. Em alguns momentos, temos que ter a postura de acordo com o que estamos caminhando. Na Seleção, meu treinador era o Dunga, vocês sabem como ele é. Eu nunca deixei de ser flexível, mas eu dava pouca entrevista por ser uma norma da CBF de modo geral. Talvez, em algum momento, como na convocação (para Copa), por ter uma entrada incisiva em relação a Neymar, Ganso, pode ter ficado uma imagem deturpada. Mas sempre fui esse cara de diálogo. Agora, não tenha dúvidas que sou outro cara, outro profissional. Aprendi muito, cresci muito. Não poderia ficar parado. Meus treinamentos são muito melhores, mais criativos, mais jogo… Meu curso da CBF me qualificou muito, abriu minha mente para possibilidades. Estava para ficar um mês no Bayern com o Guardiola quando fui convidado pelo Vasco. Ia aprender novas formas táticas, de trabalho, mudar o jogo sem mudar jogadores.

Nesse processo de evolução, houve alguma inspiração? Seja no futebol alemão, que você tanto conhece, ou um treinador, como Guardiola, Mourinho…

– Não posso dizer que busco uma inspiração. Gosto muito do Guardiola, que é muito criativo. Não somente por estar em uma grande equipe ou por ter trabalhado no Barcelona, mas pela busca de algo novo, treinamentos novos, formações táticas, da questão psicológica. Mas não é um cara que convivi. Tenho muitas coisas dos meus treinadores. Telê, Parreira, Zagallo, Beckenbauer, Edu, irmão do Zico, que é um pai. João Carlos, que é pouco conhecido, mas tem uma influência grande… Pude pegar algumas coisinhas de cada um e colocar em prática na minha vida. Joel Santana também era impressionante na armação tática defensiva. Sou um aprendiz. Um jovem que está muito bem é o Roger, por exemplo. Observo, tenho muito a aprender. Estava até reparando o treinamento do futsal do chupetinha, de seis anos de idade. Fiquei babando e já trazendo algo pro campo.

Qual a cara que você quer dar para esse Vasco versão 2016?

– Uma equipe comprometida com a instituição. Estamos sempre em movimento, mas temos que honrar onde estamos. Comprometimento deles com o todo nos treinamentos. Quero um Vasco que saiba o que faz em campo. Quando eu levantar a mão, que saibam qual a mudança, onde querem chegar e é uma equipe que precisa ser protagonista. Para isso, tem que arregaçar as mangas e trabalhar muito, respeitar os companheiros. Começamos com uma equipe base, mas não quer dizer que é a que vai terminar. Quero um time com variável no jogo.

A busca por um atacante de área é algo que você já tornou público. É preciso ser um homem de área mesmo, tradicional, aquela função à moda antiga?

– Não necessariamente é aquele cara grandão, que faz o pivô. Atacante é aquele que entra na área, faz gol e se movimenta. Mas temos que ter um plano B.

Outro personagem que chamou bastante a atenção nesse trabalho no Vasco foi o Zinho (auxiliar técnico). Qual a importância dele e como é a relação de vocês?

– O Zinho tem uma experiência larga. Foi treinador nos EUA, assumiu o Nova Iguaçu em algumas oportunidades… É alguém muito importante porque transcende o campo. Somos amigos, nossas famílias são amigas, nossos filhos são amigos, cantam juntos… Estamos sempre juntos, entramos o ano juntos. Além disso, é alguém que conheço muito bem. São muitos anos juntos em clube e Seleção, campeões do mundo. É um cara com uma visão mais ampla. Em primeiro lugar, é importante como auxiliar. Sabe muito do campo, da parte técnica, de treinamentos, tem uma leitura muito boa de jogo. Por isso, conversamos muito. Ele quase foi meu gerente no Flamengo em 2012 e não aceitei por estar no Kashima. Falam que há duplo comando e não tenho preocupação com isso. O Dunga não tinha isso comigo. É uma parceria, amizade. Fazíamos juntos, mas o treinador decide. Era o Dunga e aqui sou eu. Ele sabe e esse respeito é muito legal. Tem uma visão ampla e esteve atento para apagar os fogos. Eram 43 atletas e atuou em uma situação ou outra que ninguém ficou sabendo, assim como meus outros auxiliares: Valdir, Maurício e Barroca.

Por fim, você e o Dunga não chamaram o Neymar para Copa de 2010 e foram muito criticados por isso. Hoje, trata-se de um dos melhores do mundo. Como você vê o momento dele? Acha que aquela frustração foi importante para ele ser o que é hoje?

– Sabíamos do potencial que o Neymar tinha, mas não era o Neymar que é hoje. Aí, é covardia quando olhamos para o protagonista que é hoje. Com certeza, aquilo serviu de inspiração para ele. Um cara desse nível quer mostrar que tem qualidade. Tem uns que se abatem e outros que tiram como inspiração. É um grande jogador, um cracaço, mas que ainda acredito que tem muito para dar. Para mim, o Messi hoje é o maior Fair-Play do planeta. Batem nele e não reclama, só uma vez que foi surpresa para todo mundo, quando pegou no rosto de um atleta. Mas apanha, levanta e joga. O Neymar ainda não está neste nível, mas vai amadurecer. Até mesmo, pela forma de jogar. Vislumbro algo fantástico. O que aconteceu com o Ronaldinho ver o Messi ir subindo vai acontecer agora. É normal. O Messi teve um período difícil e o Neymar foi extremamente efetivo e importante. Cristiano Ronaldo continua sendo um dos melhores. Gosto também do Iniesta, que não aparece muito, mas é um fenômeno.

E o Neymar na Seleção?

– Em termos de Seleção Brasileira, ainda quero ver o Neymar mais efetivo taticamente. Ele é o capitão, o jogador que tem maior ascensão dentro do grupo. Quero vê-lo mais aplicado, determinado, coletivo às vezes. Ele não vai resolver sozinho. Nosso Neymar é o Nenê, e eu falo: “Não adianta tentar driblar dois, três. Toca e se apresenta”. É uma crítica construtiva. Com certeza, o Neymar vai evoluir.

Fonte: Globo.com

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