Futebol sem comando, falhas na montagem de elenco, dança de técnicos e salários atrasados explicam novo rebaixamento

O quarto rebaixamento do Vasco está escrito, só não foi oficializado porque uma quase impossível combinação de resultados (que inclui tirar saldo de 12 gols) pode salvá-lo. A queda iminente marca o fim da obra de Alexandre Campello, que deixou a presidência do clube em 22 de janeiro.

O fracasso esportivo abate o discurso inflado de Campello após início surpreendente no Brasileiro, com a liderança com jogo a menos na quarta rodada. Naquele momento, o dirigente fazia costuras políticas e apostava alto na reeleição. Chegou a garantir que o clube não cairia – trágica ironia repetida na história do Vasco, já que Eurico Miranda fez promessa idêntica antes da queda em 2015.

– Se o torcedor não queria mais cair para a Segunda Divisão, na nossa gestão posso te assegurar que a gente não vai cair. Não caímos no primeiro ano, que foi o mais difícil, nem no segundo e não vamos cair nesse – dizia em setembro o então candidato Campello.

O futebol foi o problema mais chamativo do triênio Campello desde seu início. Vice-presidentes, diretores, técnicos, jogadores… Com intenso entra e sai em diferentes funções, o ex-presidente jamais deu tranquilidade ao departamento e vê o trabalho culminar num rebaixamento quase inimaginável após o bom início da equipe. Veja os erros da gestão que levaram o clube a esse momento dramático.

Futebol sempre à deriva

Carro-chefe do Vasco, o futebol nunca teve estabilidade. Na gestão Campello, a vice-presidência da pasta mais importante do clube começou com Fred Lopes, que havia sido VP de patrimônio na gestão Roberto Dinamite, mas seu mandato teve curta duração: de janeiro a maio de 2018.

Tal lacuna chegou a ser preenchida pelo próprio Campello, que acumulou a vice-presidência, mas um “novo velho nome” foi anunciado em março de 2020, quando José Luis Moreira voltou ao cargo. Ele também comandava o futebol no rebaixamento de 2015, quando o presidente era Eurico Miranda. Era ele também o VP da pasta em 2008, antes da nova eleição que colocou Dinamite no poder.

Nas funções remuneradas, o Vasco iniciou o último triênio com os gaúchos Paulo Pelaipe e Newton Drummond à frente da direção executiva e da gerência de futebol, respectivamente. Saíram em junho de 2018, quando Alexandre Faria assumiu.

Faria ficou por um ano como diretor executivo de futebol, mas, após pressões e pichações pedindo sua saída, ele acabou demitido. André Mazzuco o substituiu.

Técnicos não faltaram também. Zé Ricardo, Jorginho, Alberto Valentim, Vanderlei Luxemburgo, Abel Braga, Ramon Menezes, Ricardo Sá Pinto e mais uma vez Luxa. No período, ainda houve passagens rápidas dos auxiliares Valdir Bigode, Marcos Valadares e Alexandre Grasseli.

Salários atrasados

Campello, até os últimos dias de sua gestão, mais precisamente em outubro, batia no peito para dizer que havia pago 37 folhas salariais em 33 meses. O fato de ter herdado a cadeira presidencial de Eurico com três meses em aberto, porém, nunca o afastou de tais pendências.

Durante quase que a integralidade de seu mandato, os salários estiveram atrasados. Fato que reforça isso é o acordo costurado no segundo semestre de 2020, quando o Vasco repactuou dívidas referentes aos vencimentos e contrato de imagem dos jogadores em 10 parcelas.

De junho de 2019 em diante, cabia a André Mazzuco, diretor executivo de futebol, dialogar com o elenco sobre promessas de pagamentos e acordos. O não cumprimento de muitas delas deteriorou a relação dele com lideranças do grupo. Dentro da diretoria, porém, o dirigente era considerado “ponta firme” e capaz de blindar o Vasco junto à imprensa.

Montagem falha do elenco do quarto rebaixamento

Se em 2018 o Vasco acertou nas contratações de Leandro Castan e Raul – Maxi López ajudou no Brasileiro e logo caiu muito de produção – e no ano seguinte foi bem com Guarín e Rossi, o mesmo não pode ser dito em relação a 2020.

O grande reforço da gestão de Campello chegou em dezembro de 2019, quando contratou o artilheiro Germán Cano. Em fevereiro, trouxe o também argentino Benítez, que mostrou talento, mas deixou a desejar por inúmeros problemas físicos. Ficou fora, por exemplo, do empate com o Corinthians que praticamente selou o quarto rebaixamento.

Após a paralisação por conta da pandemia, veio um sem-número de contratações que não trouxeram retorno. O zagueiro Jadson e o atacante colombiano Gustavo Torres, indicados pelo português Ricardo Sá Pinto, foram fiascos. O meia Carlinhos nunca se firmou, e o lateral-esquerdo Neto Borges jamais se consolidou como sombra ao contestado Henrique.

Os menos badalados Ygor Catatau (atacante) e Marcelo Alves (zagueiro), emprestados pelo Madureira, foram os que deram tímidas respostas. Catatau viveu de lampejos, enquanto Marcelo teve atuações sólidas.

O também argentino Leo Gil, emprestado pelo saudita Al-Ittihad, foi uma decepção. Chegou com as credenciais de ser um jogador parecido com Guiñazu por sua “alta taxa de trabalho” e com fama de bom cobrador de bola parada. Nunca entregou.

A dança das cadeiras em 2020

Abel não vinga

Abel Braga, preferido de Campello, queimou-se rapidamente pelo futebol ruim do Vasco e também em função da opção de escalar reservas nos clássicos do Campeonato Carioca. Tinha oportunidade ímpar de interromper longo jejum de vitórias no Clássico dos Milhões contra os suplentes do Flamengo, mas optou por escalar um time igualmente formado por jovens. Perdeu por 1 a 0.

Também com reservas, caiu diante de Botafogo (1 a 0) e Fluminense (2 a 0). A derrota para o Tricolor, aliás, definiu o fim de sua terceira passagem como treinador do clube de São Januário.

No período, sofreu contra o Altos e ABC, na Copa do Brasil, e bateu o Oriente Petrolero em confronto no qual o Vasco mostrou – mais uma vez – futebol pobre.

“Ramonismo” cai durante a corrida eleitoral

Querido pelo grupo desde sua volta ao clube como auxiliar permanente, em dezembro de 2018, o ex-meia Ramon Menezes foi visto por diretoria e jogadores como nome ideal para reconstruir o Vasco após a queda de Abel.

Não conseguiu a improvável classificação à fase final do Carioca, mas retomou a confiança e, apostando num jogo que priorizava a posse de bola, deu esperança aos vascaínos.

Com ele no comando, o Vasco chegou a liderar o Brasileiro após a vitória por 3 a 0 sobre o Ceará, no Castelão, na quarta rodada. Àquela altura, o Vasco tinha um jogo a menos. Cano brilhava, e o contestado Fellipe Bastos fazia gols em chutes de fora da área – é o vice-artilheiro até hoje do time na temporada, ao lado de Ribamar, com quatro.

– Tenho observado nas mídias, nos grupos de WhatsApp e hoje o vascaíno está feliz, está tirando onda. Coisa que há muito tempo a gente não via – disse Campello, em 15 de setembro, enquanto ainda era candidato à reeleição no Vasco.

A declaração deu-se dois dias antes da derrota por 1 a 0 para o Botafogo, que eliminaria o Vasco na quarta fase da Copa do Brasil com um empate sem gols no dia 23 do mesmo setembro.

Na sequência, derrotas duras para Atlético-MG (4 a 1) e Bahia (3 a 0), sofridas em meio a uma série de seis jogos sem vitória, decretaram a queda de Ramon.

Ricardo Sá Pinto: muito discurso motivacional, pouco futebol

O português Ricardo Sá Pinto, um desconhecido no futebol brasileiro, foi o escolhido para afastar o Vasco da zona de rebaixamento. O time ainda não havia ingressado no Z-4 e estava no 13º lugar após derrota por 2 a 0 para o Inter em Porto Alegre, onde Alexandre Grasseli, que já havia dirigido a equipe no revés por 2 a 1 para o arquirrival Flamengo, fazia seu último jogo antes de Sá Pinto assumir.

Com um discurso inflamado de “morrer pelo Vasco”, Sá Pinto logo virou meme e ganhou apoio dos vascaínos por frases de efeito, mas jamais conseguiu colocar em prática um futebol competitivo.

Após o término de sua passagem, constituída por seis derrotas, seis empates, apenas três vitórias e uma eliminação na Sul-Americana, os jogadores deixaram claro que não gostavam do esquema com três zagueiros.

Jadson e Gustavo Torres, suas apostas, não resistiram. O zagueiro não chegou a comprometer, enquanto o colombiano, além de ter acumulado atuações ruins, chamou atenção por ter atrapalhado o time nos duelos com o Defensa y Justicia. Posteriormente, dias depois de Luxa assumir, atrasou-se no retorno ao Rio após as festas de fim de ano e perdeu espaço de vez.

Sá Pinto deixava o Vasco na zona de rebaixamento, como 17º colocado. A aposta de Campello nas raízes portuguesas para tentar ganhar força na corrida eleitoral foi em vão.

Luxa: frases de efeito, “campeonato particular” e aproveitamento paupérrimo

A contratação de Vanderlei Luxemburgo, com quem Alexandre Campello teve rusgas por conta da saída sem aviso prévio no fim de 2019 – o ex-presidente não esconde isso a seus pares -, foi o último ato do antecessor de Jorge Salgado.

Luxa voltou em rápida negociação que foi conduzida por Campello, Salgado e Alexandre Pássaro, executivo contratado às vésperas do réveillon. O acerto deu-se durante a transição de poder, já que Salgado teve sua vitória no tumultuado processo eleitoral de 2020 confirmada na Justiça em 17 de dezembro.

O técnico chegou falando em fazer do Vasco campeão ou vice de um campeonato particular de 12 jogos e lançando mão de um vocabulário que a torcida conhecia bem. “Apontada pro céu”, “Ralar a bunda no chão” e palavrões compunham o ABC motivador de Luxa.

Na coletiva de apresentação, o treinador e Campello não falaram a mesma língua sobre a forma de pagamento ao treinador – Vanderlei disse que só seria remunerado caso salvasse o clube da degola, algo que voltou a repetir após o empate com o Corinthians, mas o ex-presidente discordou.

Luxa começou bem. O time empatou com o Atlético-GO jogando melhor e venceu o Botafogo sem contestação (3 a 0), mas depois tropeçou em casa diante do Coritiba (1 a 0) e levou uma goleada do Bragantino (4 a 1). Reconquistou a confiança com uma vitória convincente sobre o Atlético-MG por 3 a 2, chegando a abrir 3 a 0.

O triunfo sobre o Galo, aliás, marcava a estreia de Jorge Salgado como presidente em São Januário, e Campello saía de cena. Desde que o novo presidente assumiu, o Vasco venceu uma vez e acumulou três empates e três derrotas.

Os maus resultados decretaram o rebaixamento virtual do Vasco, admitido pelo próprio Luxemburgo após o empate por 0 a 0 com o Corinthians, no domingo. Fora da presidência, Campello passou o fim de semana em viagem de lazer com a família.

Reflexos do final decadente

Alexandre Campello chegou a negociar a compra de Benítez junto ao Independiente. Acertou um preço junto aos argentinos, mas deixou claro que não tinha dinheiro naquele momento. Diante da indefinição na eleição, o dirigente tirou o time de campo. Em paralelo, Leven Siano se declarou presidente eleito do clube após o pleito do dia 7 de novembro, interrompido antes do fim pela Justiça, e postou foto ao lado do empresário de Benítez, Adrian Castellanos.

Nesse período de fim de mandato, lideranças do grupo como Leandro Castan e Fernando Miguel, que já não tinham a mesma confiança em Campello, caíram de produção.

Cano também já vivia de lampejos em meio a jejuns de gols. Ficou nove jogos sem marcar entre setembro e novembro, além de ter acumulado duas secas de seis partidas entre o fim de 2020 e o início de 2021.

Eleição polêmica

Apoiado pelos grupos Identidade Vasco e Casaca, Alexandre Campello rompeu com Julio Brant, da Sempre Vasco, entre a eleição dos sócios, em novembro de 2017, e a do Conselho Deliberativo, que o confirmou como presidente em janeiro de 2018.

Campello deixou a Frente Vasco Livre – formada pela união de Brant e Campello para a eleição – alegando que havia sido escanteado pelo grupo do ex-aliado durante o processo eleitoral. E, com 154 votos contra 88 de Brant no Conselho, venceu eleição na sede náutica da Lagoa, na Zona Sul do Rio, em 19 de janeiro de 2018.

Vale destacar que o racha entre Alexandre Campello e Julio Brant teve como figura central o ex-presidente Eurico Miranda, que protagonizou as conversas e teve seu nome gritado na sede da Lagoa após a eleição no Conselho. Eurico morreu em março de 2019. Os opositores de Campello passaram a tratá-lo como “golpista”, pecha que o perseguiu durante todo o mandato, compreendido entre os meses de janeiro de 2018 e janeiro de 2021.

Resumo do mandato

Campello não ganhou títulos, contratou os treinadores Alberto Valentim, Jorginho, Vanderlei Luxemburgo (duas vezes), Abel Braga e efetivou Ramon. O máximo que se aproximou foi de títulos estaduais, mas perdeu as decisões de 2018 e 2019 para Botafogo e Flamengo respectivamente.

Deixou a Libertadores de 2018 na fase de grupos e na Sul-Americana nunca chegou perto dos momentos derradeiros.

De “golpista” a rebaixado, Campello deixou a presidência com poucos aliados e muitos adversários.

Fonte: ge

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