Cria da base, goleiro Lucão diz: ‘Quero ficar aqui para sempre’

Aos 12 anos de idade, na cidade grande, estranhamento até com o barulho dos carros. A saudade da família bateu, o choro sequer pediu licença.

Jogo decisivo. Falha em um gol que significou a eliminação do Vasco na então maior oportunidade da carreira do garoto, com apenas 19 anos. Mais uma vez, impossível segurar as lágrimas.

Entre os sete anos que separam os dois episódios, Lucão superou as dificuldades naturais de adaptação de um menino que saiu de Barra Mansa pelo sonho de ser jogador profissional no Rio. E teve de enfrentar a cobrança, a crítica e o medo de ter colocado em risco a promissora trajetória pelo erro cometido contra o Defensa y Justicia que culminou na eliminação do Vasco na Copa Sul-Americana de 2020.

– A situação toda foi muito triste. O fim do jogo ali mostra o meu choro, como foi. Um erro, pensei comigo, vai acabar com toda a minha carreira – recordou o jogador em entrevista ao ge.

Não acabou. Pelo contrário. Três meses depois, Lucão deixou de ser o substituto eventual de Fernando Miguel e virou titular do gol vascaíno. Realizou um sonho e se superou. Independentemente de a direção buscar alguém mais experiente para a posição, ele continuará, como disse no papo de quase uma hora com a reportagem, tentando ter vida longa no Vasco:

– É um sonho estar aqui, um sonho vestir a camisa do Vasco. Se for possível, quero ficar aqui para sempre. Preciso aproveitar essa fase agora. Se eu estiver com 40 anos no Vasco, vai ser muito bom.

Desde a base, o Vasco confia no potencial da cria. O clube prepara Lucão para ser o futuro camisa 1. Não à toa ele passou por todas as seleções de base do sub-15 ao sub-23 – foi campeão sul-americano sub-17 e do tradicional Torneio de Toulon sub-23 no ano passado. Não à toa foi o mais jovem titular da posição desde Helton, que marcou época no clube: enfrentou o Botafogo, pelo Carioca do ano passado com 18 anos. Não à toa, mesmo com eventuais oscilações em campo, foi capaz de grande defesa em cabeçada de Matheus Babi no 1 a 1 com o mesmo Alvinegro, no domingo.

– Ele é um atleta muito inteligente. Nós temos um entendimento do quão talentoso é e pode ofertar ao clube. Você passa anos treinando, mas precisa colocar a cara para bater. O jogo é um fomento grande para o desenvolvimento. Lucão sabe do tamanho da responsabilidade, mas tem de viver o momento. Ele tem uma capacidade grande de jogar com os pés, não se assusta com o ambiente e tem a humildade de jogar a bola para fora quando precisa. Tem imposição física grande, potente, ágil. Uma coisa que temos conversado bastante é de ele ser ainda mais intenso, que esteja sempre bem posicionado – explicou o treinador de goleiros Daniel Crizel.

Confira a entrevista completa com Lucão:

São cinco jogos como titular, Lucão. Como você avalia o seu momento no Vasco?

– É uma alegria imensa, um sonho que está sendo realizado. Eu queria essa oportunidade, então estou aproveitando ao máximo. Cheguei aqui bem novo, então, desde essa época pensava em estar nessa situação de representar a torcida do Vasco no profissional. Já é uma responsabilidade na base, no profissional é ainda maior. Acredito que estou em evolução, fiquei muito tempo sem jogar. Tive sequência quando o Fernando (Miguel) pegou Covid-19. Joguei contra São Paulo, Ceará e Defensa y Justicia. Ali não consegui ter a sequência que estou tendo agora, de jogar e ver os erros. Estou vendo evolução, no sentido de comunicação e outras coisas que não via na base.

Você sempre aparenta muita tranquilidade em campo. Como é a sua preparação aos jogos?

– Eu sou tranquilo, confesso que fico mais nervoso um dia antes do jogo. Fico naquela de chegar logo. Depois que coloco a roupa de aquecimento, esqueço tudo. A ansiedade e o nervosismo vão embora. Fico tranquilo. Se estiver nervoso, as coisas não acontecem.

Aquela falha contra o Defensa y Justicia te marcou tanto que deixou o campo chorando. Como você lidou com aquilo?

– A situação toda foi muito triste. O fim do jogo ali mostra o meu choro como foi. A gente sentia que poderia ir mais longe na competição. Você ter um erro que tira a classificação do time, levei esse peso. Não era só meu sonho, era o de muita gente. De roupeiro, massagista, de todo mundo. Carreguei esse peso comigo, lembrei de tudo o que passei. Um erro, pensei comigo, vai acabar com toda a minha carreira. Sendo novo, passa isso pela sua cabeça. Meu sentimento ali foi assim. A derrota doeu, mas o que carregava o jogo pesou ainda mais.

– Um jornalista postou, não lembro bem. Mas ele falou que o Vasco tinha uma carência na posição. Eu carreguei isso comigo. A gente vê que o Vasco não revela goleiro faz bastante tempo, então talvez eu estivesse com aquilo na cabeça. Era a minha chance e por um erro eu talvez tivesse apagado tudo o que construí. Isso pesou naquela hora, era no que eu pensava.

Mas goleiro passa por isso…

– Fiquei meio sumido da rede social. Eu ouvi muita coisa, falei que ia dar um tempo. Mas goleiro passa por isso… Eu recebi uma mensagem do Casillas (ex-goleiro espanhol). Eu entendi, depois do que ele falou. Todos os goleiros erram, até ele, um dos melhores do mundo. Aquilo me confortou de verdade. A gente só supera isso trabalhando. Daquela experiência para cá, eu aprendi bastante. Não é o nosso querer, tem vezes que o destino nos propõe as coisas. Foi doído, mas hoje entendo melhor.

Recentemente, você fez uma linda defesa contra o Botafogo. Foi uma das mais bonitas da sua carreira?

– Aquela defesa foi uma das mais bonitas que eu fiz. Até pelo contexto de ser em um clássico e pelo resultado. A defesa influenciou no resultado. A gente estava perdendo, se tivesse levado o gol o ânimo teria baixado. A defesa deu o gás para empatar e tentar virar.

Concorda que a saída do gol é um dos fundamentos que precisa melhorar? Contra a Caldense foram muitas bolas cruzadas…

– O treino é diferente do jogo, aqui não tem o enfrentamento da área, por mais que coloquemos os bonecões e as estacas. Acredito que com mais jogos eu consiga pegar esse timing. Sair do gol não é fácil. A gente vê pessoal falando que bola na área é do goleiro, mas nem sempre é assim. Algumas bolas não são para a gente. Passa pelo ritmo de jogo e tempo de bola. O jogo influencia muito.

Quais as suas referências na posição?

– O Benítez me chamava de Dida, ele até me cobrava de fazer o risquinho no cabelo. Acho que pareço na fisionomia e por ser tranquilo. Tenho o Neuer (Bayern de Munique) como referência, tem o Ter Stegen (Barcelona), o Oblak (Atlético de Madrid). São os top do mundo.

Como recebe a busca por goleiro mais experiente feita pela direção?

– Eu procuro aproveitar da melhor maneira possível as oportunidades. Não sei se serão cinco, dez ou 15. Eu vou usar o máximo de jogos que tiver para mostrar a minha capacidade. Tenho certeza de que o Vasco confiou essa sequência em mim, então vou procurar aproveitar. O que eu posso mostrar é nos jogos. A contratação de um goleiro mais velho, eu entendo. Antes tinha o Fernando, um cara mais velho. Eu, com certeza, serei ajudado com isso. Na percepção do jogo, ser mais experiente em certos detalhes. Eu trabalho isso bem na minha cabeça. Lógico que todo jogador quer jogar, mas eu entendo o plano do Vasco, o processo.

Mas isso não muda nada no seu planejamento de futuro no Vasco, certo? O que pensa para o futuro?

– É um sonho estar aqui, um sonho vestir a camisa do Vasco. Se for possível, quero ficar aqui para sempre. Pode ter certeza disso. Minha mãe e meus familiares gostam muito do Vasco. Acredito que isso aqui é a minha casa. Para ser titular, tenho de aproveitar as oportunidades. Tenho de fazer bons jogos e passar confiança para o treinador e para a direção ficarem tranquilos com a posição. Só assim poderei me projetar lá na frente. Posso ter um bom começo, mas o fim tem de ser melhor do que o começo. Preciso aproveitar essa fase agora. Se eu estiver com 40 anos no Vasco, vai ser muito bom.

Você é muito ligado à família. Seu pai e seu avô foram goleiros, não?

– Hoje não tenho mais meu pai e meu avô. Eles se sentiram felizes com isso, sentiram que era uma sequência. Era a terceira geração de goleiros. Meu pai morreu com 51 anos (em 2019), foi difícil. Eu sempre falo que família é tudo. Eu não conseguiria as coisas que tenho hoje sem meu pai e minha mãe. Eles são a motivação de eu estar aqui. Meu pai ficou cego, então me aproximei mais ainda. Tinha de dar banho, sair com ele na rua. A morte foi um baque. Não imaginava que ia sentir tanta dor.

– Minha namorada diz que só me viu chorar duas vezes. Estamos juntos faz seis anos. Foi no jogo contra o Defensa e quando meu pai morreu. Foi um baque muito grande. Sinto saudade dele, mas a vida segue. Ele deixou o legado para eu cuidar da minha mãe, ela era uma joia preciosa para ele. Eu fiz de tudo por ele, de jogar, de visitar, de dar atenção. Isso me deixa tranquilo.

Como ele acompanhou sua carreira após perder a visão?

– Ele sempre foi durão. Ele não aceitava… Às vezes, o Amadeu (ex-técnico da seleção de base)… Quando o meu pai ficou cego, eu estava com a seleção. A gente tinha viajado para o Sul-Americano. Lembro até hoje. Falei isso para ele, que sentiu que eu estava triste. O Amadeu falou algo muito importante. Disse que o meu pai não poderia me ver, mas que tinha certeza de que ele poderia me sentir. Ele me falou isso no jogo contra a Argentina. Eu carrego isso até hoje. Mais do que ver, o sentimento conta muito mais. Qualquer coisa que eu faço, tenho certeza de que ele me sente.

– Meu pai foi ao estádio umas duas vezes, minha mãe umas quatro. Ela não gostava muito de ir ao estádio. Quando passava na TV, eles assistiam. Ele perguntava com que roupa eu estava, qual a chuteira que vestia, que cabelo estava usando. Minha mãe sempre contava os jogos para ele, era o Galvão Bueno para ele. Falava que eu ia aparecer, aí ele perguntava o que eu estava falando. O cabelo importava, pois ele só podia tocar, né? Eu gostava muito de ficar careca. Às vezes, deixava crescer um pouco. Eu brincava que ia deixar igual ao dele.

São Januário foi a sua casa em uma fase de crescimento como pessoa. Como era segurar a saudade?

– São Januário é a minha casa. Cheguei aqui bem novo. Eu passo mais tempo no Vasco do que com a minha família. Tenho mais tempo com os funcionários do que com a minha mãe e meus irmãos. Criou esse amor. Todo moleque que vem da base tem esse carinho imenso pelo Vasco, não tem jeito. É no colégio, nas refeições, no ônibus para o treino. É um caso de amor mesmo.

– Sou muito apegado à minha família, à minha mãe. O começo foi difícil, quando a gente enfrenta alguns desafios assim é difícil. Eu chorava de saudade, tinha 12 anos. Ligava e dizia que não aguentava. Era muito carro aqui no Rio, eu sou de Barra Mansa. Eu falava que não ia aguentar. A minha mãe disse que eu poderia voltar, que ela iria me receber de braços abertos. Mas também falava do meu sonho, da necessidade de abrir mão de algumas coisas para ter recompensa lá na frente.

Fonte: GloboEsporte.com

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