Professor José Nilton Júnior conta como foi a sua experiência de falar sobre o racismo com o elenco do Vasco

O Vasco convidou na última quarta-feira (5) o professor de História José Nilton Júnior para comandar um debate sobre racismo com os jogadores do elenco profissional. O bate-papo ocorreu antes do treino, no CT do Almirante, e o educador teve a oportunidade de contar um pouco sobre o histórico de luta do clube contra o preconceito e também sobre a importância do atleta de futebol — como uma figura pública — se posicionar mais sobre estas causas sociais.

“Essa era a ideia. Falar para os jogadores que eles percebam o quanto são multiplicadores necessários para engrossar essa causa, dar voz e ampliar, pois não se posicionar já é se posicionar. Existe aquela frase que diz que ‘não basta não ser racista, tem que ser antirracista’. Eles precisam falar, se posicionar, não é negando que vamos resolver. Durante muito tempo o Brasil negou que fosse um país racista. Não dá para ficar negando. Racismo mata e é necessário falar sobre isso”, declarou Júnior ao UOL Esporte.

Vascaíno, o professor também teve a preocupação de deixar os jogadores bem cientes da contribuição que o clube que eles defendem fez não só para o futebol como para a sociedade de um modo geral.

“Eu resgatei um pouco da história do Vasco. Falei da Resposta Histórica [documento do clube de 1924 que se tornou símbolo contra o racismo], do clube que eles estão jogando, a importância da identificação do atleta e a proposta social do Vasco. Como jogadores profissionais, é importante que eles abracem essas causas antirracistas e que se manifestem, pois isso acontece não só no futebol como na sociedade como um todo. Para combatermos é importante que todas as esferas estejam unidas para que possamos transformar nossa sociedade”, destacou.

Ao final do bate-papo, professor Júnior recebeu uma réplica da “Resposta Histórica” e uma personalizada camisa “All Black”, lançada recentemente pelo Vasco e que é alusiva ao histórico de luta contra o racismo do clube.

Morato se abriu com situação familiar

Recém-chegado ao Vasco nesta temporada e sempre bem articulado nas entrevistas, o atacante Morato fez questão de ir até o professor e, diante dos demais companheiros de equipe, revelou algumas situações que passa no dia a dia por ter uma esposa negra.

“Foi muito legal, eles interagiram. Alguns jogadores já passaram por situações de racismo, caso do Miranda quando ele era sub-20 [em uma partida contra o Independiente-ARG, na Copa RS, em 2019]. Fiz referência a isso na minha fala. O Morato veio conversar comigo sobre algumas situações que já viveu por ter uma esposa negra”, disse o professor, complementando:

“A gente trocou umas ideias. Até agora há pouco trocamos mensagens. Morato é um jogador que tem uma consciência muito sensível de combate ao racismo. Foi muito legal a conversa”.

Professor foi chamado de “gorila” por aluno durante aula

Antes de ganhar destaque com o debate sobre racismo que comandou com os jogadores do Vasco na última quarta, José Nilton Júnior, infelizmente, já havia sido notícia ano passado por ter sofrido discriminação racial duas vezes enquanto dava aula.

Na primeira oportunidade, em junho, um aluno de 12 anos o chamou de “gorila” no chat de uma aula online. Um mês depois, dois adolescentes gravaram um vídeo onde sugerem que ele “volte para a selva”.

“Ano passado foi muito difícil quando isso aconteceu. Por ser negro, a gente experimenta o racismo todo dia. É na rua quando uma pessoa atravessa porque você está passando, é entrar na loja e não ser atendido, é fazer revisão do carro e a pessoa achar que você é funcionário do dono do carro… Infelizmente foi a primeira vez que experimentei isso numa sala de aula também. Me chamaram de macaco, gorila… Não vi na hora porque estava preocupado com a aula, mas os próprios professores levaram para a direção e acabou saindo em jornal, TV… Muitos alunos se manifestaram e enviaram mensagens de carinho e apoio”, relembrou Júnior, enfatizando que, após o segundo episódio, decidiu procurar caminhos legais para que isso tivesse um basta:

“Depois um outro ex-aluno gravou um vídeo [sugerindo que o professor ‘voltasse para a selva’] e isso foi o estopim. Entrei na Justiça, fiz a queixa e o processo rolou. Quando foi em janeiro deste ano, eles foram condenados a prestação de serviços porque são menores, mas foi educativo”.

Após os episódios de discriminação racial, o colégio de classe média La Salle Abel, em Niterói (RJ), onde ele dá aula, criou uma “Comissão de Relações Éticas Raciais” com o propósito de ajudar na formação dos alunos em relação a este e outros temas.

“Esses episódios me deram força para entender qual a importância do meu papel no combate ao racismo. Uma escola do século 21 não pode se furtar de falar não só de racismo, como também homofobia, violência contra mulher, entre outros assuntos”, analisou.

Recebeu mensagens de apoio não só de vascaínos

O dia seguinte ao bate-papo com os jogadores do Vasco foi de muita repercussão com seus alunos e amigos. De acordo com o professor Júnior, não só os vascaínos lhe parabenizaram pela ação com o clube.

“Foi muito legal. No meu Instagram alguns comentaram, repostaram nos stories parabenizando o Vasco pela iniciativa… Independente do clubismo, da torcida, é uma pauta importante de ser discutida, tratada por qualquer clube. Os alunos ficaram muito contentes. Muito legal o reconhecimento do meu trabalho”, destacou.

Formado em Filosofia e com mestrado em História na UFRJ, professor Júnior foi para a África do Sul em 2011 estudar o movimento negro. Em seus projetos em andamento está o lançamento no final do ano de um livro baseado na tese de dissertação de seu mestrado sobre Stevie Biko, que foi um famoso ativista anti-Apartheid da África do Sul entre as décadas de 1960 e 1970.

Fonte: UOL

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