VP jurídico José Cândido Bulhões fala sobre a centralização de execuções e plano do Vasco para pagar dívidas

Após a sanção da lei do clube-empresa ficou mais fácil para que clubes de futebol consigam ter acesso ao Regime de Centralização de Execuções (RCE), instrumento da Justiça trabalhista que organiza o pagamento de credores, sem que o haja a possibilidade de penhoras e bloqueio de bens e valores, medidas judiciais que assombram grande parte dos times brasileiros.

Vasco e Botafogo já conseguiram se beneficiar da lei e pediram acesso ao Regime. A Justiça, baseada na nova lei, bloqueou as execuções imediatas das dívidas dos clubes, que terão que apresentar um plano de pagamento dos credores e não podem atrasar os vencimentos. Mensalmente, 20% das receitas dos clubes precisarão ser destinadas ao pagamento das dívidas trabalhistas.

O vice-presidente jurídico do Vasco, José Cândido Bulhões Pedreira, explica em entrevista, como funciona o RCE, além das obrigações e direitos dos clubes que aderirem ao regime.

Veja abaixo os principais pontos da entrevista:

O que é o Regime de Centralização de Execuções (RCE)?

O RCE nada mais é do que a reunião de todas as execuções contra um mesmo devedor em um único juízo centralizador para pagamento das dívidas em concurso de credores, de forma ordenada e nos parâmetros previstos na Lei 14.193/2021 (clube-empresa). A reunião se dá de acordo com a natureza da dívida: as execuções trabalhistas são centralizadas num juízo do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e as execuções cíveis em um juízo do Tribunal de Justiça (TJ). É um instituto disciplinado por lei federal e, portanto, distinto do ato trabalhista, que encontrava previsão em ato normativo interno de cada TRT e, atualmente, é disciplinado em ato normativo do TST.

Como o RCE pode ajudar os clubes a reorganizarem as suas contas?

O RCE confere previsibilidade ao pagamento das dívidas, o que é bom tanto para o clube, que deixa de ser asfixiado por penhoras, quanto para os credores, que passam a receber parcelas mensais de acordo com o plano de pagamento. Com isso, o clube pode organizar seu fluxo de caixa de modo a pagar suas dívidas sem prejudicar o cumprimento de obrigações correntes, viabilizando, assim, o exercício da sua atividade econômica e a geração de emprego e renda.

Quais são as obrigações dos clubes quando o RCE é aceito pela Justiça e o que pode acontecer caso haja descumprimento das regras?

Concedido o RCE, o clube passa a destinar 20% de suas receitas correntes mensais para o pagamento das execuções de acordo com o plano apresentado pelo clube, que deve observar a ordem de pagamento e os parâmetros de previstos na Lei 14.193/2021. Para tanto, o clube deve apresentar documentos contábeis, planilha com suas obrigações consolidadas e estimativa auditada das dívidas em fase de conhecimento, projeção do seu fluxo financeiro futuro e termo de compromisso de controle orçamentário. Enquanto o clube cumprir com os pagamentos, é vedada penhoras ou bloqueios de valores sobre suas receitas. Caso contrário, as execuções voltarão a correr e o clube sofrerá penhoras.

Ter 20% da receita destinada ao pagamento de ações trabalhistas não onera a folha do clube como um todo, levando em consideração outras despesas que precisam ser pagas como salários, fornecedores?

É melhor destinar 20% da receita corrente mensal para o pagamento das dívidas, comprometendo-se a quitá-las de forma organizada, do que sofrer penhoras que podem asfixiar o fluxo de caixa e impedir o cumprimento de obrigações correntes, como o pagamento de salários e fornecedores. A previsibilidade é muito importante para a organização da atividade, pois facilita não só o planejamento financeiro como, também, a captação de empréstimos ou investimentos. O futebol realmente é uma atividade em que os salários e encargos têm um peso muito grande no custo operacional, mas comprometer um percentual das receitas para pagamento das dívidas contribui para a organização financeira do clube, que deverá ser muito criterioso na gestão do seu orçamento.

A sanção da lei do clube-empresa facilitou a obtenção do RCE pelos clubes?

Sem dúvida, pois a lei permite que o clube opte, “a seu exclusivo critério”, por pagar suas dívidas em concurso de credores, por meio do RCE. Trata-se de um direito conferido pela lei aos clubes, para viabilizar não só o pagamento das dívidas, mas também a continuação de suas atividades e o seu crescimento sustentável.

Os credores não saem prejudicados? Eles têm opção de escolha se aceitam ou não receber o pagamento de forma parcelada?

O pagamento das dívidas em concurso de credores beneficia a coletividade dos credores, que passam a receber parcelas mensais de acordo com uma ordem de prioridade definida pelo legislador, privilegiando o pagamento de créditos trabalhistas a determinados credores, como idosos, pessoas com doenças graves, gestantes, entre outros. Sem isso, poucos indivíduos com créditos vultosos e bons advogados podem acabar inviabilizando o pagamento aos credores mais vulneráveis. O RCE também permite que o clube organize o seu fluxo de caixa e cresça de forma sustentável, aumentando suas receitas e pagando as dívidas mais rapidamente, o que é de interesse de todos os credores.

Se o plano de pagamento se ativer aos parâmetros previstos na lei, entendemos que os credores não podem se opor, pois o pagamento em concurso de credores é um direito concedido pela lei aos clubes. Outra opção conferida pela nova lei e pela jurisprudência é a recuperação judicial ou extrajudicial, o que, a nosso ver, é muito mais prejudicial aos credores.

Há algum mecanismo parecido com a RCE, mas para ações cíveis?

O RCE vale também para as execuções cíveis, nos termos do art. 14, § 2º, da Lei 14.193/2021. Cabe ao clube escolher se quer apresentar o requerimento de centralização apenas para as dívidas trabalhistas, cíveis ou as duas.

Fonte: O Globo Online

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