Em 30 dias com Fernando Diniz, Vasco passou de desacreditado a candidato ao acesso

“A vida é pra quem sabe viver, procure aprender a arte, para quando apanhar não se abater, ganhar e perder faz parte. Levante a cabeça, amigo, a vida não é tão ruim. No mundo a gente perde, mas nem sempre o jogo é assim. Para tudo tem um jeito, e se não teve jeito, ainda não chegou ao fim” .

O trecho da música “Clareou”, de Xande de Pilares, que acompanha Fernando Diniz desde os tempos de Audax, é uma espécie de hino na retomada do Vasco na Série B. Foi com samba no vestiário, muita conversa para recuperar a força mental dos jogadores e vitórias com bom futebol que o treinador conseguiu em 30 dias “clarear” um ambiente que andava nebuloso em São Januário.

De time desacreditado, com o acesso improvável, o Vasco mudou seu rumo na competição e já vê a volta à elite como algo tangível. A distância para o G-4 chegou a ser de dez pontos, atualmente é de cinco e, em caso de vitória sobre o Sampaio Corrêa, sábado, pode cair para dois – desde que haja um vencedor em Botafogo x CRB.

Recuperação de jogadores e aval por Nenê

Antes de preparar o time para as três vitórias consecutivas (Diniz tem mais dois empates e está invicto em cinco jogos), o técnico começou a trabalhar imediatamente. Antes mesmo do primeiro treino – ele foi anunciado em 9 de setembro e fecha 30 dias nesta sexta-feira. Um dos seus primeiros atos foi dar aval para contratação de Nenê, negociação que estava travada por conta de Lisca. O treinador inclusive ligou para o meia, com quem trabalhou no Fluminense, e acelerou o acerto. Bola dentro. Nenê mudou o astral do time dentro e fora de campo.

Em seu primeiro dia no clube, um bom exemplo de como Diniz costuma conduzir o elenco foi observado. O treinador puxou Riquelme para um papo e ganhou a confiança do lateral. O jovem, que andava triste com a perda do avô, uma das quase 600 mil vítimas da Covid-19 no Brasil, e pouco vinha sendo aproveitado, se tornou peça importante.

– Tivemos uma conexão imediata. Ele é um jovem talentoso e que tem um futuro brilhante pela frente – elogiou Diniz, após assistência do lateral na vitória sobre o Goiás.

Riquelme não foi o único que subiu de rendimento com a chegada de Diniz. Morato, Marquinhos Gabriel, Pec e Ricardo Graça são outros bons exemplos. Antes contestados, eles se tornaram relevantes na engrenagem de um time que tem Leandro Castan, Nenê e Cano como pilares. Com o individual bem, não tardou para o coletivo brilhar, como mostraram os gols de construção coletiva diante de Goiás e Confiança.

– (Diniz) Era lógica no começo do trabalho, era lógica na saída do Marcelo Cabo e é lógica agora. Se for analisar o mercado, sim, era momento de baixa dele. Mas Diniz é um cara que aprende muito, especialmente nas derrotas. A cada semana, o Diniz usa métodos novos. Ele se adapta. Ele faz o jogo dele em um prazo menor do que já fez. Isso só marca a evolução dele – comentou Alexandre Pássaro, diretor executivo, em entrevista à ESPN.

O mantra no vestiário

Diniz gosta de conversas pessoais, mas também fala para todo grupo. Desde que chegou, mudou o ambiente, com positividade e confiança. Se o acesso antes gerava dúvidas internas, como frisou Romulo publicamente após a derrota para o Avaí, passou a ser factível nas palavras do treinador. Todos compraram o discurso. E ai daquele que desanimar. A fé na classificação para a Série A foi pregada desde 12 de setembro, quando se apresentou aos jogadores e teve longa conversa com eles sob olhares de Pássaro e do presidente Jorge Salgado.

O vestiário, aliás, é sagrado, e Diniz tem seus métodos. Antes de todo jogo, o samba de Xande de Pilares ecoa por alguma caixa de som de plantão. Não importa o local, não importa a fase do time. O costume que o treinador carrega desde os tempos do Audax, time que conduziu ao surpreendente vice-campeonato paulista, em 2016, repetiu-se ainda nas gestões no Athletico-PR, Fluminense e Santos. É sempre assim: antes do aquecimento, o técnico coloca ou pede a alguém para dar o play na música. Sempre a mesma. Algo restrito a jogadores e membros da comissão técnica.

No Fluminense e no Santos, por exemplo, era comum o grupo se juntar e cantar “Clareou”. O momento era tratado como confraternização, algo para tirar a tensão do ambiente. Obviamente, a coisa não passava do ponto. Não afetava a concentração e preparação às partidas. No Vasco, a música está sempre presente antes da bola rolar.

Pessoas próximas a Diniz afirmam que o treinador não é samba de uma nota só e que costuma mudar o disco, mas há um consenso de que “Clareou” sempre é a mais marcante.

– Essa é a titular (risos). Se você se ligar, a música fala umas paradas maneiras. A letra é da hora – disse um ex-comandado de Diniz.

Depois do aquecimento, como nos outros clubes, Diniz reúne os atletas na roda final para últimas palavras de motivação. Contra o Góias, uma frase, revelada em vídeo da Vasco TV, chamou a atenção.

– Nós vamos empurrar a torcida do mesmo jeito que ela nos empurra. Nós vamos correr para c…. E dar a vida. Vocês vão entrar lá e comer o Goiás. Não é para ter disputa, uma nossa. São todas nossas. Todas nossas. Todas nossas… Agora é botar lá dentro. A torcida vai inflamar, aproveita um escanteio, um chute. A torcida vai vir junto. Confiança. A gente é bom para c…, acredita nisso. Vamos amassar o Goiás – disse Diniz, inflamando o vestiário antes do jogo contra a equipe goiana, quando o Vasco teve sua melhor atuação na Série B.

Treinos longos

Quem acompanha o dia a dia do Vasco afirma que os treinos com Diniz são mais longos e puxados. O grupo geralmente trabalha pela manhã e não tem moleza nem na véspera das partidas, quando os treinadores costumeiramente pegam mais leve.

Diniz fala alto, cobra, xinga e trabalha. Os relatos são que, assim como nos jogos, o treinador é muito agitado nos treinos. Mas aparenta ter o grupo na mão em seu primeiro mês de Vasco. Ao contrário do antecessor Lisca, que teve algumas atitudes que não pegaram bem entre os jogadores.

Em comparação a seus antecessores, aliás, seu aproveitamento é de longe o melhor na Série B, até o momento. Invicto, com três vitórias e dois empates, o treinador tem 73%. Lisca teve (43%) e Marcelo Cabo (50%).

Fé nos atletas como pilar do discurso

Mais do que trabalhar à exaustão seus métodos técnicos e táticos que priorizam a bola, Fernando Diniz costuma “entrar na cabeça dos atletas”, como diz o termo da moda, com o objetivo de mostrar que eles são capazes.

Profissionais que já acompanharam diferentes trabalhos de Diniz destacam a maneira com a qual se relaciona com os pupilos. E a capacidade e os elementos de que dispõe para apontar aos jogadores que é possível executar certos movimentos.

Especificamente no Vasco, embora tenha priorizado um tratamento igualitário ao grupo, deu atenção aos mais jovens, como Riquelme, Gabriel Pec, Andrey, Bruno Gomes e Ricardo Graça, mas também teve eco em lideranças para estimular a garotada a se recuperar.

Defesa iniciada com aproximação dos jogadores no ataque

O pulo do gato de Fernando Diniz foi tornar o Vasco mais combativo no setor de ataque. O treinador tratou de aproximar os jogadores na fase ofensiva, o que fez o time ser muito mais efetivo na pressão pós-perda. Os atacantes passaram a figurar entre os líderes de desarmes nos últimos jogos e passaram a destruir investidas adversárias longe do seu campo de defesa (veja abaixo gols que ilustram bem a mudança).

Ao povoar um lado do ataque, além de ter mais armas na hipótese da perda de bola, Diniz possibilita uma maior troca de passes curtos a fim de invadir o campo rival. Mais do que isso, puxa a marcação adversária para fora da área, o que abre espaços no lado oposto e deixa seus atacantes em situação mais confortável na hora de definir.

Diniz abriu mão do 4-3-3 clássico, com dois pontas abertos, que, no máximo, trocam de lado. O jogo apoiado permite atacar e defender com superioridade de jogadores.

Sobre as mudanças de peças, o treinador começou recuando Marquinhos Gabriel, que cresceu, e abriu mão de um volante. Adepto de dar condições para os melhores jogarem, na última rodada resolveu dar continuidade a Riquelme na esquerda, colocou Zeca como volante e promoveu o retorno de Léo Matos à lateral direita.

“Chega de chorar. Você já sofreu demais, agora chega”. O verso da “música-mantra” de Fernando Diniz encaixa com o momento do Vasco em sua sofrida busca pelo acesso, e o time parece ter encontrado um jeito de jogar. Até porque “Pra tudo tem um jeito. E se não teve jeito, ainda não chegou ao fim”. Com a Série B no fim, o Vasco, como sempre, nunca está só para cessar a angústia de seus torcedores. A julgar pelo que aconteceu nos últimos capítulos, clareou na Colina Histórica.

Fonte: ge

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