— Como fui um jogador muito técnico, priorizo jogar futebol. Perder, empatar, ganhar, faz parte do processo. O que não pode é ter medo de jogar. Respeito todas as outras maneiras, mas não abro mão da minha forma de jogar, com alegria, ousadia.
Às vésperas do Natal, o ex-jogador orientava o Bangu em jogo-treino contra o sub-20 do Vasco, de olho na disputa do Estadual. Em um certo momento, cruzou a linha lateral falando alto, gesticulando e involuntariamente passando por cima do árbitro. Berrou aos dois times que se continuassem com as entradas mais duras, mandaria todos para o vestiário mais cedo. Lembrou demais a certa marra que mostrava nos tempos de jogador. Os garotos puxaram o freio de mão depois disso.
A atividade então ficou mais ao gosto do ex-lateral-esquerdo e meia, e melhor para o gramado de Moça Bonita, surpreendentemente em bom estado, um pedido de Felipe à diretoria — dos poucos que o clube, com sérias restrições financeiras, consegue atender. O técnico quer provar que é capaz de fazer o Bangu jogar bola, mesmo sem grandes jogadores à disposição. E, para isso, precisa de uma superfície por onde ela role sem tantos sobressaltos.
Já virou nota para entrar no pequeno currículo do treinador o episódio na Série D em que decidiu abrir mão do mando em Moça Bonita para enfrentar o Madureira em Nova Iguaçu, atrás do gramado melhor na Baixada Fluminense. Lá conseguiu impor seu estilo e venceu a partida por 3 a 1.
Este ano, Felipe concluiu o curso de treinadores da CBF e conseguiu a Licença Pro. Teve como colega de classe Fernando Diniz, a quem elogia por considerar alguém disposto a mostrar algo novo no futebol brasileiro. É com Pedrinho, atualmente comentarista da TV Globo e SporTV, que passa horas no telefone, discutindo ideias táticas, conceitos de jogo. Uma espécie de auxiliar técnico e conselheiro informal.
— Pedrinho é meu irmão, um cara que eu amo. Ele está muito bem onde está, fazendo o que faz.
Hoje no Bangu, Felipe diz ter certeza de que em algum momento estará à frente do Vasco. Como jogador, é o maior vencedor da história do clube, com sete títulos, entre Libertadores, Brasileiro e Copa do Brasil. Sua última passagem foi em 2012. No ano seguinte, encerrou a carreira, jogando pelo Fluminense. Às vezes é alertado para não misturar sua história em campo com a nova, que tenta escrever como treinador.
— Você tem o Guardiola no Barcelona, o Zidane no Real Madrid. Não vejo problema algum — exemplifica.
Aos 44 anos, mergulhou de vez na nova carreira. Trocou no fim de abril a rede de futevôlei, na Barra da Tijuca, pelo desafio no alvirrubro, e se orgulha de ter sido o primeiro treinador a levar o Bangu à segunda fase da Série D. Ouviu de amigos que era louco por voltar à rotina de viagens, concentrações, mas é o que gosta de fazer. Foi coordenador técnico na Ponte Preta, em 2019. Dois anos antes, teve passagem pelo Tigre, sem ter terminado os estudos na CBF.
— Só ter sido jogador não basta. Eu tenho minha visão do campo, que adquiri com o tempo, mas o trabalho de treinador envolve muito mais coisas.
Respaldado no Bangu, já escalou o time sem zagueiros — formou a linha defensiva com dois laterais e um volante — por se preocupar em ter atrás jogadores mais velozes e com passe mais apurado. A preocupação com a qualidade na saída de bola é tanta que muitas vezes desloca o goleiro Paulo Henrique, bom no jogo com os pés, para perto do círculo central, recuando um zagueiro mais para perto do gol.
O Carioca será a chance de ter a visibilidade que a Série D não oferece. E mostrar que maestro é esse que tenta se sobressair na área técnica.
Fonte: O Globo Online